quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Relações entre as teses de Walter Benjamin e a obra de Josep Fontana, identificando em que aspectos as teses inspiraram as idéias centrais e a estrutura do livro História: análise do passado e projeto social.


       Walter Benjamin revela-se um crítico feroz do historicismo; para ele a fixação por conhecer o passado como de fato ele foi não possui nenhuma relação com a articulação histórica (VI). O autor a história como um intenso processo de construção do presente sobre o passado (XIV); esse passado carregado deagorastem um imenso potencial que pode ser canalizado de duas maneiras: na primeira a História funciona como discurso de defesa do status quo, como sua justificação; Benjamin chama isso de empatia do historiador pelo vencedor (“a empatia com o vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores”; VII); isso produz umainércia do coração” (VII) que vai levar ao conformismo da social-democracia, ao encantamento com o desenvolvimento da técnica e ao culto moral do trabalho (XI); em resumo, à imobilização (XVII). O segundo uso da História é contemplado pelo materialismo histórico: trata-se de fazer o sujeito histórico despertar de sua letargia, de dar-se conta da exploração das classes dominantes (VI), da destruição cultural dos derrotados (VII), da exploração do proletariado disfarçada na moralização do trabalho (XI); resgatar o passado oprimido é uma oportunidade de luta revolucionária (XVII), de transcender o curso tradicional da história. Na sua metáfora, Benjamin define o primeiro uso como a história numa arena comandada pela classe dominante; na segunda ela é o salto de um tigre sob o céu livre, o salto dialético da revolução (XIV).
            Essa concepção de história norteia todo o trabalho de Josep Fontana, a começar pelo título de sua obra, História: análise do passado e projeto social; como define Vitor Biasoli no prefácio da obra, “para Josep Fontana, falar do passado de uma sociedade é posicionar-se em relação ao tempo presente, suas mazelas e grandezas. É definir-se em relação às lutas e aos projetos sociais em confronto na sociedade em que vive o historiador”. Para Fontana o foco da obra não é a historiografia, mas as idéias sociais subjacentes, o projeto social em que o historiador inscreve a sua tarefa (FONTANA, p. 9). Dentro desse escopo a obra é construída em torno do ataque aos modelos de concepção histórica que dão sustentação à sociedade capitalista, por um lado, e à exaltação ao materialismo histórico como modelo que estimula a crítica e a concepção de uma sociedade alternativa baseada em idéias socialistas.
            Ainda sobre essa dualidade, Benjamin acredita que o historicismo é desprovido de armação teórica; não passa de uma massa de fatos reunida para preencher o tempo homogêneo e vazio (XVII) e com pretensão de constituir uma história universal. É essencialmente acrítico. Fontana chama isso de genealogia do presente: a seleção e ordenamento dos fatos do passado de forma que conduzam em sequência até o presente, com o fim (consciente ou não) de justificá-lo, produzindo uma visão de que os acontecimentos se encadeiam e dão como resultado “natural” a realidade social em que vivemos; estabelecida esta ordem, todas ideias que se opuseram a ela são apresentadas como regressivas, e todas alternativas como utópicas. O materialismo histórico, em oposição, é dotado de método, e como tal dotado de um principio construtivo em sua base (XVII), o que lhe permite confrontar os objetos históricos estruturalmente e extrair as oportunidades da luta revolucionária, da transcendência; dai ele afirmar que a compreensão histórica gerada por esse método produz um fruto nutritivo. Fontana compreende o materialismo histórico da mesma maneira, como uma ferramenta para a práxis, para a construção de um novo projeto social a partir da compreensão crítica da realidade presente (idem, p. 11); estão ligados de forma indissolúvel história, economia política e projeto social. Para ele é uma quimera essa pretensão acadêmica de investigar desapaixonadamente o passado: toda leitura histórica está a serviço de um projeto social e contagiada por interesses. Benjamin, a esse respeito, fala da construção da história saturada de “agoras” (XIV); a primeira parte da obra de Fontana é uma longa exposição de como os historiadores através dos tempos cumprem basicamente uma função social de legitimar a ordem estabelecida, e de como a partir da Ilustração a História vai se converter em instrumento fundamental de análise política e base ideológica (idem, p. 77).
            Fontana procura mostrar que os historiadores desempenham papel importante no processo de desenvolvimento do capitalismo: a escola escocesa, por exemplo, ao produzir uma visão histórica como linha evolutiva que vai da barbárie ao capitalismo, apresentando a proteção à propriedade privada, a divisão social do trabalho e o governo civil como pré-condições para o crescimento econômico. Dentro dessa dinâmica, as rupturas, como as ideias de Rousseau e Mably de divisão igualitária da propriedade, ou as primeiras concepções de luta de classes, vão ser combatidas por uma legião de historiadores do inicio do século XIX; a Revolução Francesa vai ser submetida a um intenso processo de interpretação para ressaltar seu caráter burguês e liberal. Seguindo essa linha, Fontana vai destacar o caráter conservador das leituras históricas a partir da economia clássica e das incipientes ciências sociais. O processo de reação repete-se com a Revolução Russa: a reação contra o materialismo histórico vai utilizar-se de conceitos como a impossibilidade de extrair leis históricas (crítica à racionalidade do processo histórico). Estes capítulos iniciais, onde Fontana situa impiedosamente os historiadores em meio aos dilemas sociais de seu tempo, atende à perfeição a concepção benjaminiana de contemplar à distância os valores culturais da classe dominante, e sua tarefa de “escovar a história a contrapelo” (VII).
            Os capitulos seguintes, onde Fontana faz a crítica dos annales e das novas concepções de história, pode ser resumido nas ideias de Benjamin de falta de armação teórica e método (“ausência de idéias”, na ácida definição de Fontana, p. 213) e de conformismo e ingenuidade conceitual (o instrumental de outras ciências vai produzir concepções históricas ingênuas como a ideia de  “naturalidade” da exploração social).
            A crítica feroz à social-democracia está presente em ambos autores; Benjamin a considera o principal corruptor da classe operária alemã (XI); para ambos ela aparece como um dos fatores que levará à ascensão do nazismo.
            Finalmente, o apelo militante que Fontana dirige aos historiadores no epílogo (“Está nas nossas mãos voltar a começar o mundo de novo”) no sentido de cerrarem fileiras numa luta contra as ideias atrasadas do passado e no combate à mundialização está impregnado do messianismo das ideias de Walter Benjamin, quando fala da vitória sobre o Anticristo e no despertar das centelhas da esperança (VI). Essa fé militante transparece na biografia do primeiro (que morreu defendendo suas ideias) e no depoimento com que Fontana encerra o livro:

                        “O meu oficio preencheu-me estes anos e deu sentido à minha vida. Porque não é só um trabalho (…), como também o meu modo de estar neste mundo e de lutar com as armas do meu ofício contra todas as coisas que impedem que se realize uma sociedade onde haja (…) a maior igualdade possível dentro da maior liberdade possível”.

            BIBLIOGRAFIA

            BENJAMIN, Walter.Teses sobre filosofia da História. Texto fornecido pelo professor.

            FONTANA, Josep. História: análise do passado e projeto social. Bauru, SP: EDUSC, 1998.

            FUNARI, Pedro Paulo. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DAS "TESES SOBRE FILOSOFIA DA HISTÓRIA", DE WALTER BENJAMIN. Disponivel em: http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/3_PPFunari.pdf


                                                                  



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