sexta-feira, 29 de outubro de 2010

INCONFIDÊNCIA MINEIRA Comentários sobre textos de KENNETH MAXWELL e JOÃO PINTO FURTADO

O propósito deste trabalho é fazer uma análise comparativa dos textos de dois estudiosos da Inconfidência Mineira, Kenneth Maxwell e João Pinto Furtado, destacando os pontos principais de suas idéias e as questões em que são divergentes.

Kenneth Maxwell
            Foram objeto de análise seus textos “A Devassa da Devassa – A Inconfidência Mineira: Brasil-Portugal – 1750-1808, págs. 141 a 167, e “A Inconfidência Mineira: dimensões internacionais, págs. 125 a 155; suas idéias sobre a Inconfidência Mineira poderiam ser assim resumidas:

  • O historiador britânico acredita que a Inconfidência Mineira é um projeto revolucionário fortemente inspirado nos ideais da Revolução Americana; seu propósito era de utilizar a inquietação popular que a cobrança da derrama provocaria para desencadear uma revolta que culminaria com a proclamação de uma república independente.
  • A maioria dos conspiradores tinha uma importante motivação pessoal para romper com a Coroa: a perda de privilégios adquiridos durante o período pombalino e principalmente as enormes dívidas contraídas, sobretudo com a Fazenda Real.
  • O grupo de conspiradores, formado em grande parte por importantes aristocratas locais, possuía elementos com elevado conhecimento intelectual, e estavam bem informados sobre a independência americana e as idéias políticas então em voga na Europa, como o demonstram diversas obras disponíveis nas bibliotecas de alguns deles.
  • Por meio de José Álvares Maciel, estariam informados da simpatia que ingleses e americanos nutriam pela idéia de um levante brasileiro.
  • Como declara solenemente em sua fala durante encontro comemorativo do bicentenário da morte de Tiradentes, Maxwell considera que “a Inconfidência Mineira foi o único movimento anticolonial que explicitamente duvidou da relação colonial e adaptou um projeto claramente republicano e nacionalista”.
  • Apesar do foco claramente regionalista dos inconfidentes, Maxwell acredita num projeto nacionalista; cita em apoio de sua idéia declarações de Tiradentes que fariam alusão a um “Brasil livre e republicano”.
  • Também em apoio da idéia nacionalista, acredita que o movimento tinha conexões em outras capitanias, sobretudo a do Rio de Janeiro, onde Tiradentes teria cooptado comerciantes cariocas insatisfeitos com as medidas recentes de repressão ao contrabando de mercadorias.

Em resumo:

  • Uma revolução de caráter claramente republicano e nacionalista.
  • Contato com potências estrangeiras simpáticas ao projeto.
  • Apoio de comerciantes do Rio de Janeiro ao levante.
  • Projeto conservador; motivação econômica em benefício da oligarquia local.

Maxwell analisa a conjuntura sócio-econômica que torna Minas peculiar para sediar um movimento de resistência ao sistema colonial:

A política pombalina de nomear funcionários administrativos, magistrados, fiscais e militares entre membros da oligarquia local, torna a estrutura estatal sujeita às influências e pressões locais, muitas vezes em detrimento da própria Coroa.
A dinâmica econômica, com notável diversificação, indo da mineração à atividade agrícola e pastoril, incluindo uma incipiente (e ilegal) manufatura de tecidos e um intenso comércio.
Ao contrário do litoral, baseado em monoculturas e com uma sociedade composta essencialmente de senhores e escravos, Minas desenvolve uma sociedade urbana complexa apoiada no comércio regional e em atividades econômicas variadas.
A elite é letrada e está informada das novas idéias na Europa e Estados Unidos; reúnem-se para discutir poesia e filosofia. Obras de autores mineiros expressam o orgulho e a valentia dos habitantes da terra mineira.
A decadência da mineração coincide com a devolução do controle do aparelho estatal aos reinóis e as ordens de aumentar o rigor no recebimento dos tributos, colocando a Coroa em choque frontal com os interesses da oligarquia local.

João Pinto Furtado
            Foram analisados os textos “O Manto de Penélope: História, mito e memória da Inconfidência Mineira de 1788-9”, págs. 48 a 75 e págs. 128 a 213.
            Como fica implícito no título da obra, uma alusão ao manto com que a esposa de Ulisses engana os pretendentes à sua mão (na Odisséia de Homero), Furtado acredita que o mito produzido pelo nacionalismo brasileiro do século XIX esconde a real dimensão da Inconfidência Mineira:

  • Ele inicia alertando para o anacronismo de atribuir significados modernos a termos como revolução, república, estado, etc. Dá ênfase especial ao significado do termo república no Antigo Regime, sinônimo de governo baseado em leis, consenso jurídico.
  • Em seguida minimiza os tão propalados contatos com potências estrangeiras; mesmo a comunicação com Thomas Jefferson, em seu entendimento, é inexpressiva; o estudante brasileiro agiu, ao que tudo indica, por impulso próprio (não age como representante de nenhum grupo organizado) e os resultados são pífios. Muito pelo contrário, as comunicações de Jefferson com seu governo em 1789 deixam claro que o recente acordo comercial com Portugal deixavam o jovem governo norte-americano na pragmática posição de não envolver-se em nenhuma agitação nas colônias lusas.
  • O autor não vê provas do envolvimento de cariocas na conspiração; considera que Maxwell exagera em suas conclusões e apresenta uma teoria sobre a tentativa de implicar o Rio de Janeiro na conspiração, que veremos em breve.
  • Furtado destaca ainda a enorme heterogeneidade dos conspiradores, e sobretudo o conservadorismo das lideranças, tornando pouco crível que se engajariam em algum projeto revolucionário com idéias avançadas como a libertação de escravos ou a constituição de um parlamento.

Furtado propõe duas interessantes análises:

A primeira aborda os conflitos e interesses que estavam por trás do processo da devassa: a devassa mineira, nos inquéritos presididos por homens de confiança nomeados pelo Visconde de Barbacena, dá grande ênfase na participação de conspiradores cariocas, que teriam sido inclusive responsáveis pelos contatos com as potências estrangeiras; alguns depoimentos sugerem até que o centro da conspiração estava no Rio. Estes depoentes, no entanto, mais tarde declararam haver sido enganados com ardis e falsas promessas de um escrivão.
      Parece que o governador de Minas quis compartilhar com o Vice-Rei o ônus de ter súditos importantes preparando uma rebelião.
      Ao mesmo tempo, reflexo da corrupção do aparelho estatal de então, ele parece ter implicado importantes figuras locais com a conspiração, como o cel. José Aires Gomes, apenas para aumentar a arrecadação com o seqüestro de bens dos acusados: o volume total do seqüestro dos inconfidentes praticamente correspondeu à arrecadação do quinto real sobre o ouro no ano de 1789 (pg. 205).
      Por outro lado, questões econômicas igualmente parecem ter livrado pelo menos um conjurado da devassa carioca; José de Sá Bittencourt e Accioli teve sua inocência atestada em três dias de interrogatório, graças ao ouro que teria sido fartamente distribuído entre juízes e funcionários.
      Em resumo: os depoimentos são moldados pelos conflitos e interesses da administração colonial portuguesa. Questões como a participação carioca ou os contatos com o estrangeiro, bem como o grau de participação dos conspiradores (e até mesmo a sentença final) atende em grande parte a um jogo de interesses, e como tal precisa ser interpretado.

      A segunda idéia afronta conceitos tradicionais sobre a Inconfidência: Furtado simplesmente não acredita numa revolução. Não vê na Inconfidência Mineira nem a ideologia ou a organização que um movimento desta natureza exige; acha mais provável que os conspiradores estivessem organizando um motim contra a cobrança da derrama, e defende seu ponto de vista argumentando que os inconfidentes pararam de se reunir assim que o governador cancelou a cobrança.
      Argumenta que, entre 1713 e 1746, em virtude de questões relacionadas com cobranças de tributos ou corrupção dos agentes estatais, houve pelo menos oito rebeliões envolvendo algumas das principais vilas da capitania.
      Eram levantes contra os abusos da administração local, conduzidos aos gritos de “Viva o Povo, Viva el-Rei, Morte ao Governador!”. Num mundo carente de representação popular como o Antigo Regime, tais levantes eram vistos como um recurso legítimo: denunciava-se o abuso local ao mesmo tempo que se exaltavam as instituições e a figura do rei.
      Isso explicaria a frase de Tiradentes: “não se trata de levantar, é antes restaurar!”.
      O motim projetado pelos inconfidentes teria na verdade sido vítima de uma “leitura” diferenciada por conta dos acontecimentos internacionais: as autoridades coloniais estavam evidentemente preocupadas com as repercussões que a independência norte-americana poderia causar na América Portuguesa. E, uma vez instaurada a devassa, já os acontecimentos da Revolução Francesa dominavam o imaginário das autoridades; isso talvez explicasse a decisão de aplicar uma punição dura e exemplar em Tiradentes, para dissuadir outros movimentos do tipo.
      Encerrando a questão, o resultado prático e imediato da Inconfidência foram concessões semelhantes aos que motins anteriores objetivavam: a derrama foi oficialmente suspensa, e em 1791 foi criada a Vila de Barbacena na região que forneceu a maioria dos conspiradores, o que acabou com a reclamações dos locais de que não tinham representação política junto ao governador.

      Em resumo:

·        A Inconfidência Mineira seria um motim tramado pela oligarquia local para impedir a cobrança da derrama
·        O movimento é regional e atende demandas específicas de Minas
·        Não há projeto de ruptura com a Coroa; apenas a intenção de forçar uma negociação que melhore a situação da oligarquia em termos econômicos e políticos.

Outras Considerações

      Apesar de divergirem muito em relação aos propósitos e dimensões da Inconfidência, os autores jogam luz sobre a sociedade mineira de então, dominada por violentos conflitos:

A enorme corrupção do aparelho estatal e das forças mantenedoras “da ordem”, os Dragões. A cobrança de taxas coloca as autoridades em conflito constante com as populações locais
Durante o século XVIII existiram em Minas um total de 127 quilombos, onde coexistiam escravos fugidos, índios carijós e brancos, fugindo das agitações sociais e políticas das vilas mineiras.
Os motins são selvagens; há inúmeros relatos de atos de vandalismo contra propriedades, mortes, estupros e comportamento bárbaro.

      E tudo isso coexiste com uma sociedade urbana refinada que  envia seus filhos para estudar na Europa, veste seda importada, realiza saraus poéticos e mantêm magníficas bibliotecas...

Um comentário: